PALAVRA PUXA PALAVRA COM ISABEL LOPES
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PALAVRA PUXA PALAVRA COM...
ISABEL LOPES
Isabel Lopes é Técnica de Apoio à Inserção Profissional e uma das responsáveis pelo podcast “Diversidade sem Fronteiras”. Diz que “ter nascido cega nunca limitou os meus sonhos e estudos, mas impactou diretamente o meu processo de inserção no mercado de trabalho”. Quem a conhece sabe que é ‘dona’ de um coração e de uma mente excecionais, pelo que tentámos perceber como é que a comunicação a ajuda nesta causa gigante que é a integração efetiva da diversidade em todas as áreas da vida social e profissional.
Como técnica de Inserção Profissional na Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, quais os principais desafios comunicacionais que enfrentas no teu dia a dia?
A inserção profissional de pessoas com deficiência é, só por si, um desafio diário, tendo em conta não só as limitações dos indivíduos a integrar, mas principalmente as reservas dos empresários em incorporar nas suas organizações pessoas que possam não realizar as tarefas da mesma forma, ou no mesmo período de tempo, que os seus trabalhadores.
Embora já se verifique alguma evolução na forma como os empresários encaram a diversidade e inclusão nas organizações, creio que é, precisamente, na comunicação e na forma de comunicar as capacidades dos formandos a integrar que se pode fazer a diferença, centrando a mensagem na importância do respeito pelas características individuais de cada um e do tratamento de todos com base na equidade.
No meu caso, o desafio começa quando me apresento pessoalmente e tenho que, em primeiro lugar, conseguir centrar a atenção no meu trabalho e no que pretendo transmitir e não no facto de ser cega e ter um trabalho.
No entanto, e como já trabalho há alguns anos na área da inserção profissional, a par da comunicação, quero deixar também uma palavra muito positiva em relação à evolução na forma como os empresários respeitam e levam cada vez mais a sério o trabalho que desenvolvo.
Apesar de cada vez mais os temas da diversidade, da igualdade e da inclusão serem comunicados nas mais diversas plataformas, o que sentes que falta para que esta temática seja efetivamente considerada?
Hoje em dia, é frequente encontrarmos as mais diversas informações, reportagens e artigos, entre outros, sobre diversidade e inclusão, quer seja nas plataformas digitais, quer seja nos meios de comunicação social tradicionais, sendo, no caso da deficiência, quase todas centradas em “feitos” conseguidos pelas pessoas com deficiência, como se de fenómenos extraordinários se tratassem, sendo elas próprias vistas, por isso, como algo de transcendente.
E se é muito importante divulgar as capacidades e conquistas dos indivíduos com algum tipo de deficiência ou incapacidade, é ainda mais importante não o fazer de forma capacitista.
É fundamental mostrar à sociedade pessoas com deficiência como pessoas reais, que vivem vidas reais, com conquistas e fracassos, com família, amigos e amores como toda a gente. Que lutam pelos seus sonhos e que, na maioria das vezes só precisam de ser respeitadas, principalmente como o que são: pessoas.
É imperativo que a sociedade vá abandonando o capacitismo e abrace a aceitação e integração efetiva da diversidade em todas as áreas da vida social e profissional de forma equitativa.
E, para que isso possa acontecer, a comunicação tem, certamente, um papel preponderante, dada a enorme influência que a forma como se comunica pode ter na mudança de mentalidades.
Nasceste cega e dizes que tal nunca limitou os teus sonhos, mas em termos da comunicação dos outros para contigo, sentiste alguma dificuldade ao longo da vida?
Senti e por vezes ainda sinto. Nos diversos ambientes que tenho frequentado ao longo da minha vida (ensino, trabalho, vida social…), foram vários os problemas de comunicação que enfrentei. Um dos mais flagrantes e com o qual tive maior dificuldade em lidar foi no ensino superior. O apoio era inexistente, quer para mim, quer para a escola, que de repente se viu a braços com uma aluna para a qual nem os professores, nem o meio estavam preparados. Isso, aliado à minha falta de maturidade e capacidade para responder de forma assertiva aos problemas que surgiram, tornou a nossa comunicação difícil e pouco eficaz. Mas esse é só um exemplo das dificuldades de comunicação que vou enfrentando e vou tentando resolver, porque hoje ainda me acontece dirigir-me a alguém quando estou no atendimento ao público e a pessoa perguntar-me: “não está aqui ninguém para me atender?”.
Gostava de aproveitar a tua pergunta para dar alguns conselhos em termos de comunicação com as pessoas com deficiência ou incapacidade: não duvidem ou excluam à partida. Perguntem, perguntem sempre, não tenham receio, é melhor perguntar que ignorar ou humilhar. Normalmente, respondemos educadamente e até com humor.
O tema de cegueira, porque é algo que te acompanha ao longo da vida, ainda é tabu em algum ambiente?
Na generalidade dos ambientes julgo que já não é muito. Pelo menos nos que frequento, já não me deparo com grandes constrangimentos a esse nível. Contudo, penso que haverá ainda meios, ou ambientes, onde a cegueira, ou mesmo a deficiência, não sejam encaradas com naturalidade.
Acredito que em ambientes nos quais a imagem é o principal fator a ter em conta, a cegueira ainda seja um pouco tabu, sim. Provavelmente por desconhecimento quer das reais capacidades da maioria das pessoas cegas, quer pela falta de informação sobre os avanços nas tecnologias e materiais de apoio adaptados que permitem aos cegos a realização de tarefas e atividades que até há pouco tempo não eram possíveis.
E, de repente, és uma das responsáveis pelo podcaste Diversidade sem Fronteiras. O que pretende este podcast comunicar e em que moldes?
A equipa do podcast “Diversidade sem Fronteiras” junta quatro mulheres de três países diferentes (Brasil, Moçambique e Portugal). Conhecemo-nos através da Lígia Lunardi Recchia que, pela sua atividade de coach e mentora de carreira, percebeu que as quatro tínhamos em comum o interesse pelo tema da diversidade, equidade e inclusão.
A partir daí, surgiu a ideia de abordarmos esses temas, na perspetiva de três realidades culturais e socioeconómicas diferentes, as dos países de cada uma de nós.
Essa é a essência do nosso podcast: divulgar iniciativas, boas práticas, dados e perspetivas sobre diversidade e inclusão em Portugal, no Brasil e em Moçambique e contribuir dessa forma para uma troca de experiências que permita abrir novos horizontes no que à inclusão diz respeito.
O principal objetivo deste projeto é abordar os temas da diversidade e inclusão, conversando em cada episódio com alguém que, de alguma forma, desempenhe um papel de relevância na promoção da DEI nos respetivos países, seja pela implementação de políticas, pelo trabalho em ONGs, ou mesmo a título individual. Pretendemos, desta forma, trazer uma visão abrangente sobre a diversidade, equidade e inclusão.